Os mais de 800 anos de história de Barcelos, tantas vezes moldada de diversos segredos e mitos, constitui hoje uma das suas maiores riquezas. Nesta terra, abundam figuras emblemáticas e acontecimentos fantasiosos, onde se misturam santos, heróis e vilões e se mantém vivo o nosso passado histórico, através de lendas e tradições.
A Lenda do Galo
A curiosa lenda do galo está associada ao cruzeiro medieval que faz parte do espólio do Museu Arqueológico da cidade. Segundo esta lenda, os habitantes do burgo andavam alarmados com um crime e, mais ainda, com o facto de não se ter descoberto o criminoso que o cometera. Certo dia, apareceu um galego que se tornou suspeito. As autoridades resolveram prendê-lo e, apesar dos seus juramentos de inocência, ninguém acreditou. Ninguém acreditava que o galego se dirigisse a S. Tiago de Compostela, em cumprimento de uma promessa, nem que fosse fervoroso devoto do santo que, em Compostela, se venerava, nem de S. Paulo e de Nossa Senhora. Por isso, foi condenado à forca. Antes de ser enforcado, pediu que o levassem à presença do juiz que o condenara. Concedida a autorização, levaram-no à residência do magistrado que, nesse momento, se banqueteava com alguns amigos. O galego voltou a afirmar a sua inocência e, perante a incredulidade dos presentes, apontou para um galo assado que estava sobre a mesa, exclamando: “É tão certo eu estar inocente, como certo é esse galo cantar quando me enforcarem”. Risos e comentários não se fizeram esperar, mas, pelo sim pelo não, ninguém tocou no galo. O que parecia impossível tornou-se, porém, realidade! Quando o peregrino estava a ser enforcado, o galo assado ergueu-se na mesa e cantou. Já ninguém duvidava das afirmações de inocência do condenado. O juíz correu à forca e viu, com espanto, o pobre homem de corda ao pescoço. Todavia, o nó lasso impedia o estrangulamento. Imediatamente, solto, foi mandado em paz. Passados anos, voltou a Barcelos e fez erguer um monumento em louvor a S. Tiago e à Virgem.
Lenda do Penedo do Ladrão
Esta lenda diz respeito a um grande bloco de granito com uma reentrância no topo, que se assemelha a uma cama.
Segundo reza a lenda, era precisamente neste penedo que estava o ladrão a “vigiar a presa”.
Assim, uma mulher ia de cesto à cabeça para levar o almoço ao homem que se encontrava a trabalhar nas proximidades, quando o ladrão lhe apareceu. Ela, que mal ganhara para o susto, ofereceu-lhe a única coisa que lhe ocorreu e parecia aceitável no momento – a cabaça do vinho.
O gatuno não esteve com cerimónias e, aproveitando a oferta, começou a entornar o vinho da cabaça pelas goelas sedentas. Mas a mulher, rápida que nem uma lebre, enterrou a faca do pão no pescoço do valente, que certamente até já teria enfrentado perigos maiores.
Como chegar lá:
Cerca de uns 3 Km de Abade de Neiva, quando a estrada atinge o ponto mais elevado da subida, entra-se numa garganta formada pelo monte de S. Mamede e pela Portela do Ladrão.
Se nos desviarmos desta garganta e subirmos uns metros do monte, acharemos a célebre memória do penedo assim chamado
Lenda acerca da Ponte
O povo, devido às suas crenças ingénuas, atribuía à ponte sobre o Cávado virtudes obstetrícias, ou seja, mais facilidade e segurança durante os partos.
“... Era em seu entender, castigo, praga ou má olhadura, de pessoas maldosas, o caso de certas mulheres não vingarem capazmente os frutos do seu ventre. Estes, desde que as mães fossem vítimas de tais malefícios, durariam pouco, após o nascimento. Era certo que logo nos primeiros dias de latação, iriam para os anjinhos. Verificado o caso de uma vez para outra, resolvia-se proceder a um batismo especial. Em vésperas de novo parto, o homem e a mulher dirigiam-se à ponte, esperando aí até ao bater da meia-noite. Nessa hora oportuna, convidado o padrinho, o primeiro transeunte, procediam , servindo-se de um ramo de oliveira e de água comum, para borrifar o ventre materno. Posteriormente, acreditava-se que a criança viria a nascer robusta e saudável, atingindo infalivelmente a idade proveta se passasse os 80 anos, o que aliás acontecia sempre que fizesse boas digestões durante 30 mil dias. É só fazer os cálculos.....”
Lenda do Areal de Caíde
Reza a tradição que esta lenda advém dos seguintes factos:
“... Ao sul da Barragem de Penide, na freguesia de Areias de Vilar, estende-se um enorme areal, com fama de ter sido outrora uma quinta, cujo dono, mau e severo, a deixou em legado a uma matilha de cães. Mas por castigo de Deus, o rio “ a levou”, reduzindo o sítio a um extenso areal...”
Lenda do Barbadão
A figura gravada em pedra representando uma cara com grandes barbas e umas mãos puxando por elas, que se situa na torre virada a Sul do Solar dos Pinheiros, logo debaixo da cornija do telhado, virada ao Palácio dos Duques, tem associada a si uma simbologia que se reveza em duas vertentes, fruto do imaginário popular. Uma diz que a imagem representa Tristão Gomes Pinheiro “enraivecido contra o Duque D. Afonso, por este lhe embargar a obra da sua Casa-solar e não lhe deixar altear mais as torres, para não lhe devassar os Paços Ducais”.
Uma outra tradição, bem mais simbólica e romanceada, diz-nos que aquele Barbadão significa “Tristão Gomes Pinheiro protestando vingança contra um Cavaleiro dos Paços dos Duques que manchara a dignidade da sua filha”.
Lenda do Frade e o Passarinho
Reza a tradição que:
“... Em tempos muito afastados aconteceu de um frade, enquanto rezava o ofício no coro, ter a sua atenção despertada pelo seguinte versículo da Salmodia: « Mil anos à vista de Deus são como o dia de ontem que já passou ». Não entendia o frade o significado, pelo que, no fim orou com mais fervor a Deus para que lhe fizesse entender. Saindo do coro e ao passar no claustro do convento, ouviu o canto de um passarinho que o fez parar.
Em breve aquela avezinha se mudou, pelo que o monge a seguiu, na esperança de poder ouvir por mais um tempo os seus aprazíveis cantos. Já um pouco afastado, perdeu de vista a ave que o encantara, facto que lhe causou muita tristeza e exclamou « Óh passarinho da minha alma, que tão belo e tão breve foi o teu cantar !».
Em seguida regressou ao convento, porém, reparou que a porta já não era no mesmo sítio. Achou tudo demasiado diferente e, ao bater, até o guardião do convento lhe parecia extremamente diferente:
- Quem bate e o que deseja, perguntou-lhe o Guardião?
- Responde o Frade « Um irmão e humilde frade deste convento».
- Como, se cá não falta ninguém - respondeu o guardião.
- Falta sim, ainda à nadinha saí no encalço de um passarinho, cujo canto eu quis ouvir. Segui-o até à orla da mata e, tão logo se calou, me tornei ao convento. Como pois não me conheceis?! É verdade também não vos conheço!!
Foi o porteiro chamar o D. Abade a quem narrara, intrigado, o caso. Este não se surpreendeu menos e, postos a desvendar o mistério, consultando livros e registos, deles constava o desaparecimento de um frade, mas sobre o qual já haviam passado 300 anos. Nunca mais dele houvera rastos ou notícias. Foi então que, por mais diligências, concluíram ter sido aquele para quem miraculosamente trezentos anos se passaram num momento. Assim ele compreendeu que para Deus não há diferença de tempo.”
Lenda do Milagre das Cruzes
Em 1504, sob o reinado de D. Manuel I, numa sexta-feira, dia 20 de dezembro, por volta das 9 horas da manhã, o sapateiro João Pires regressava da missa da ermida do Salvador. Ao passar no campo da feira de Barcelos, observou na terra uma Cruz de cor preta. Como não quis guardar só para si aquilo que considerou ser um sinal sagrado, alertou o povo, que depressa veio ao local.
As cruzes apareciam sob a forma de uma nódoa negra que ia crescendo até se formar uma cruz perfeita, em que a cor não ficava só à superfície, mas penetrava em profundidade na terra. Por mais que se cavasse, sempre se achava.
O “milagre da cruz” originou uma forte devoção popular. Nesse mesmo ano, no local de aparecimento da cruz, foi erguido um cruzeiro em pedra com as dimensões da cruz miraculosamente aparecida. O fervor religioso que gerou foi tal que a população o demonstrou com procissões e ofertas. Estas iriam ser aplicadas na construção de uma ermida logo no ano seguinte – 1505, para a qual um rico comerciante de Barcelos ofereceu a imagem flamenga do Senhor da Cruz.
A imagem do Senhor da Cruz é uma imagem de tamanho quase natural, de madeira de carvalho, dos inícios do século XVI. Apenas o rosto e as mãos estão pintados.
Lenda “Os Principais de Vilar de Figos”
Como lenda, conta-nos um facto relacionado com o Castelo de Faria e que dera aos habitantes de Vilar de Figos o honroso apelido de principais. Sabe-se que em velhos registos da paróquia essa designação existe, embora se desconheça a extensão dela, isto é, se para todos os habitantes ou para descendentes apenas dos velhos “principais”.
“...O caso foi que os árabes se apossaram, em tempos remotos, do castelo. Os cristãos tentavam a conquista tornada impossível pela bravura com que os sitiados se defendiam. Recorreu-se então ao estratagema que a luminosa ideia do povo de Vilar de Figos suscitou: pelos campos e encosta daquele lado fariam subir, de noite, um grande rebanho de cabras (podiam ser mesmo carneiros) com luminárias atadas aos chifres. Se bem o pensaram, melhor o fizeram.
Os árabes notaram pela noite escura, aquela aproximação de tanta gente que vinha, por certo em reforço dos agricultores. Perante a superioridade provada do inimigo, abandonaram o castelo e foram-se.
E assim, porque os moradores dessa freguesia contribuíram para a tomada do castelo, ficaram a ser conhecidos e nomeados por os Principais de Vilar de Figos.
Lenda das "cruzes irmãs"
Para além das lendas anteriormente relatadas, existe ainda uma outra relacionada com o Milagre das Cruzes.
Em tempos muito remotos, países protestantes do norte lançaram nas águas revoltosas e salgadas do mar três imagens do Senhor dos Passos. Arrastadas pelas ondas e correntes, as imagens foram ter a diferentes localidades do nosso país - uma teria aparecido em Matosinhos, outra na praia de Fão e a terceira, abandonando o mar e penetrando nas águas doces e então límpidas do Cávado, teria subido o rio dando à margem em Barcelos. Depois... olhos atentos, observadores, a viram! Mãos piedosas a recolheram e transportaram para a ermida do Senhor da Cruz.
Lenda, crença ou realidade o facto é que esta versão traçou alguns laços de irmandade entre as populações de Barcelos, Matosinhos e Fão e que originou o canto popular que se segue:
“O Senhor de Matosinhos
Mandou dizer ao de Fão
Que dissesse ao de Barcelos
Que eram todos irmãos”
Tendo como base de suporte a lenda das "cruzes irmãs”, acredita o povo que a imagem recolhida nas águas do rio jamais poderá ser retirada do local onde fora colocada. Assim crendo, o povo barcelense mandou esculpir em Roma, em 1875, uma outra imagem representando o Senhor dos Passos, cuja autoria se atribui a um escultor italiano de seu nome Jeuseppe Berardi. É esta imagem que devidamente decorada em seu andor sai na procissão do Senhor dos Passos, aquando da FESTA DAS CRUZES, em Barcelos, no dia 3 de maio.
Lenda de S. Martinho
Segundo reza a lenda, num dia frio e tempestuoso de outono, um soldado romano, de nome Martinho, percorria o seu caminho montado no seu cavalo, quando deparou com um mendigo cheio de fome e frio. O soldado, conhecido pela sua generosidade, tirou a sua capa e com a espada cortou-a ao meio, cobrindo o mendigo com uma das partes. Mais adiante, encontrou outro pobre homem cheio de frio e ofereceu-lhe a outra metade. Sem capa, Martinho continuou a sua viagem ao frio e ao vento quando, de repente, como por milagre, o céu se abriu, afastando a tempestade. Os raios de sol começaram a aquecer a terra e o bom tempo prolongou-se por cerca de três dias. Desde essa altura, todos os anos, por volta do dia 11 de novembro, surgem esses dias de calor, a que se passou a chamar "verão de S. Martinho".